domingo, 23 de maio de 2010

Psicanálise: uma "estilística da existência"

“Pela mediação do estatuto ficcional da literatura e da história, podemos reencontrar a leitura psicanalítica do sujeito. Com efeito, o que se tece na experiência analítica é uma construção interpretativa do sujeito, na qual é bastante evidente sua dimensão de ficção.

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O que importava na interpretação do analista não era sua confirmação pela memória do analisando, mas as reaberturas que promovia no funcionamento do sujeito. Com isso, o deslizamento do sentido se realiza de firma infinita e interminável, se tornando possíveis a construção e a direção de uma história.

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Entretanto as indagações se impõem, e não podemos deixar de enunciá-las. Ficção de que? Ficção para quem? Evidentemente, no que concerne ao campo psicanalítico, a ficção indica a existência de um universo de indeterminação e de incerteza. Foi isso que se evidenciou no discurso freudiano quando se colocou em questão os limites da rememoração na analise, isto é, a inexistência de uma inscrição e de uma cena absolutas que pudessem ancorar o sujeito de forma insofismável. Conseqüentemente, o analista perde o arrimo da segurança e só pode se orientar pelas indicações fugidias da experiência da transferência.”

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A ficção delineia um campo possível para a produção e a retificação das identificações que sejam capazes de oferecer eixos para a circulação do desejo do sujeito.

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Assim, se é a dimensão desejante da verdade que funda a leitura do sujeito e da temporalidade, esta leitura implica um saber da interpretação que pressupõe a arbitrariedade do intérprete. Por isso mesmo, o trabalho deste deve se regular pela ética, para que o arbítrio não se transforme em arbitrariedade. A resultante desse trabalho é uma construção interpretativa, por meio da qual o sujeito se inscreve num campo marcado pela incerteza e pela indeterminação. O efeito simbólico da construção é uma narrativa ficcional, equivalente as narrativas histórica e literária.

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...a psicanálise não é uma forma terapêutica e de cura, pois não é possuidora de uma racionalidade científica, como se quis acreditar durante muito tempo e ainda se acredita. A psicanálise seria uma estilística da existência, pretendendo abrir possibilidades de destinos para os sujeitos. Nessa estilística da existência, sua pretensão seria regular o sujeito nos registros ético e estético, sob a forma de abertura de possibilidades. Porem, não nos esqueçamos: a tese do desamparo do sujeito é bastante radical para admitir a sua terapêutica. Face ao desamparo radical, não existem a cura e a salvação, como veremos adiante, mas apenas a possibilidade de lidar com isso por uma estilística da existência.”

Joel Birman – Estilo e modernidade em psicanálise