Um curto relato sobre o existencialismo não é possível sem falar, com a mesma dedicação, de Jean-Paul Sartre. O francês, talvez o mais famoso do último século, nasceu numa família burguesa em 21 de junho de 1905, em Paris. Seu pai morreu antes de Sartre nascer, e este afirma que, devido a ausência da figura paterna, cresceu livre de um superego formal burguês que teria impedido seu desenvolvimento intelectual e filosófico ("Se tivesse vivido, meu pai teria desmoronado sobre mim e me esmagado"[i]). Formou-se em filosofia, freqüentando bares e cafés acompanhado de ninguém menos que Merleau-Ponty, Lévi-Strauss, Simone Weil e Simone de Beauvoir.
Mudou-se para Berlim, em 1933 para estudar a filosofia que cunhou de existencialismo. Tomou o termo emprestado do filosofo Kierkgaard, que sustentava o “individuo existente” a única base para uma filosofia significativa. Quando escreve “O existencialismo é um humanismo” entende a liberdade individual em relação com a responsabilidade social e ao engajamento político. Simpatizante do marxismo, Sartre alega que "o marxismo reabsorveu o homem na idéia, e o existencialismo o procura por toda parte onde ele esteja - no trabalho, em casa, na rua"[ii] Rejeita o premio Nobel de Literatura em 1964, dizendo que "o escritor não se deve deixar transformar pelas instituições"[iii]
No “Club Maintenant”, em 1945, Sartre explica um dos princípios fundamentais do seu existencialismo, “a existência precede a essência”. A sentença esta inserida na seguinte fala
"... se Deus não existe, há pelo menos um ser, no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa então que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente é nada. Só depois será, e será tal como a si próprio se fizer."
Ao negar uma essência anterior, nega também uma metafísica que possa explicar o homem e sua realidade. Rejeita todo o platonismo corrente na filosofia e aponta para a materialidade da existência, a materialidade dos fenômenos. A única certeza que pode ser afirmada de inicio é a certeza da existência. Nenhuma natureza humana entra em questão, e toda compreensão humana é baseada na realidade da experiência do sujeito – que por sua vez vai compor a essência do homem. Caracteriza subjetividade como aquilo que o homem faz de si mesmo.
Se a essência é aquilo que próprio homem constrói para si, então tal homem é responsável pelo que é, e pelo que faz. A ênfase na responsabilidade humana é a segunda peculiaridade do existencialismo. O homem é responsável pela própria existência e pelas conseqüências que sua existência, seus atos, produz no mundo e nos outros. A relação entre o existencialismo sartriano e a política é evidente e inevitável.
“O homem está condenado a ser livre”. O existencialismo de Sartre aborda a liberdade como uma pena que incide sobre todo sujeito. Cada um é livre para escolher seu projeto de vida, e cada projeto implica em ações que refletem na humanidade. Dessa forma todo homem é responsável pelo caminhar da humanidade. Se a humanidade está em declínio moral ou social, todo individuo é responsável pela condição. Ao escolher não se engajar para modificar o quadro e depositar esperanças em figuras de autoridade, o sujeito está exercendo sua liberdade de escolha, mas tentando fugir da culpa através da má-fé, quando justifica a situação depositando a responsabilidade em outra pessoa.
A má-fé consiste numa defesa, numa explicação, que o sujeito atribui a si próprio para explicar a “razão” de seus atos, de sua vida. Toda explicação que tente justificar a situação negando a responsabilidade pela própria escolha é uma atitude de má-fé. É uma incapacidade para arcar com as próprias responsabilidades. Para Sartre, é necessário que o homem abandone esse habito que o afasta, falsamente, das conseqüências de suas escolhas, e passe a assumir as responsabilidades que suas escolhas acarretam. Ao abandonar a má-fé o homem deixa de se enganar, e passa a conviver com a angústia que sua liberdade produz, devido às conseqüências de seus atos. A liberdade individual implica na angustia existencial. Por isso Sartre caracteriza a liberdade como uma condenação ao homem. Não existe culpa quando não somos responsáveis pelos nossos atos. Mas também não existe liberdade.
Segundo o comentário de Artur Polônio, “se a vida não tem, à partida, um sentido determinado [...], não podemos evitar criar o sentido de nossa própria vida”. Assim, “a vida nos obriga a escolher entre vários possíveis [mas] nada nos obriga a escolher uma coisa ou outra”.
“O inferno são os outros”. Se o homem é responsável por aquilo que escolhe ser, e se cada um carrega um projeto de vida passível de ser concretizado, uma vez que é livre, então a única coisa que pode frustrar o desejo do sujeito são os projetos de vida dos outros. Todos são livres para se afirmar, ao mesmo tempo, todos são um obstáculo à afirmação do outro, e também o único meio de afirmação de tal projeto. O paradoxo existencial contribui para a angústia antes mencionada. A humanidade só sairá do buraco que cavou para si mesma quando todos reconhecerem sua influencia e arcarem com seus atos. Cada homem é responsável pela humanidade, ainda que muitos não acreditem. Solucionar o conflito entre as escolhas dos homens é o maior desafio para o sujeito existencial, ou seja, para aquele que é consciente da sua liberdade e suas conseqüências.
Seguindo a fenomenologia, o existencialismo diferencia seres Em-si de seres Para-si. O ser Em-si é todo aquele objeto, ou coisa, dotado de uma função, uma essência, pré-determinada. São os objetos que construímos, os fenômenos naturais, tudo aquilo que podemos atribuir uma função e que não são dotados de autoconsciência. A consciência, ou o homem consciente, é um ser Para-si, pois é consciente de sua própria consciência, e, portanto, regente de sua própria existência. Entender o homem como um ser Para-si é entender o homem como uma figura única no mundo, capaz de construir e destruir através de seus atos. Toda ciência e filosofia que encare o homem como um ser Em-si retira do homem aquilo que o destaca dos outros seres: sua liberdade de construir e alterar sua essência.
Obras filosóficas: A Imaginação (1936) - A transcendência do Ego (1937) - O Imaginário (1940) - O Ser e o Nada (1943) - O existencialismo é um humanismo (1946) - Crítica da Razão Dialética (1960) - O idiota da família (1971) - Anotações para uma moral (1983)
Ensaios: São Genet, comediante e mártir (1952) - Questão de método (1960)
Romances e Contos: A náusea (1938) - O muro (1939) - A idade da razão (1945) – Sursis (1945) - Com a morte na alma (1949)
Teatro: As moscas (1943) - Entre quatro paredes (1945) - Mortos sem sepultura (1946) - A prostituta respeitosa (1946) - As mãos sujas(1948) - O diabo e o bom Deus (1951) - Os seqüestrados de Altona (1960)
Autobiográficas: As palavras (1964) - Diário de uma guerra estranha (1983)
Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Paul_Sartre
http://pt.wikipedia.org/wiki/Existencialismo
http://www.cobra.pages.nom.br/ftm-existencial.html
http://www.geocities.com/Athens/olympus/7979/visao.htm
http://www.infoescola.com/filosofia/existencialismo/
http://existencialismo.sites.uol.com.br/sartre.htm
[i] STRATHERN, Paul. Sartre em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. p. 9.
[ii] STRATHERN, Paul. Ibid., p. 64.
[iii] STRATHERN, Paul. Ibid., p.68